Leituras de Crónicas

CRÓNICA    

A crónica é um género jornalístico que vive do quotidiano. Tem por objetivo divertir ou refletir criticamente sobre os mais variados assuntos da vida e comportamentos humanos. O seu autor apresenta uma visão pessoal e subjetiva sobre a temática relatada. 

Vê as duas crónicas lidas por duas alunas do 10ºC e os seus comentários.


CRÓNICA: CLARA FERREIRA ALVES, "É A FALTA DE CULTURA, ESTÚPIDO!” 

É a falta de cultura, estúpido!

Portugal tem hoje uma pequeníssima elite que consome cultura, quase toda velha e sem sucessores. 

Nós merecemos isto. Nós elegemos esta gente. Nós não somos muito diferentes disto. No meio do anedotário que converteria um homem mais inteligente num homem trágico, convém não esquecer o que nos separa, exatamente, do Relvas. Pouco. O dito não é um espécime isolado, um pobre diabo animado de força e disposição para fazer negócios e trepar na vida, que entrou em associações e cambalachos, comprou um curso superior e, de um modo geral, se autoinstituiu em conselheiro do rei. Já vimos isto. 

Nunca vimos isto nesta escala, porque na 25ª hora da tragédia nacional, quando Portugal se confronta com a humilhação da venda dos bens preciosos (os famosos ativos) aos colonizados de antanho e seus amigos chineses, o que o país tem para mostrar como elite é pouco. Nada distingue hoje a burguesia do proletariado. Consomem as mesmas revistas do coração, lêem a mesma má literatura (que passa por literatura), vêem a mesma televisão, comovem-se com as mesmas distrações. Uns são ricos, outros pobres. 

A elite portuguesa nunca foi estelar, e entre a expulsão dos judeus e a perseguição aos jesuítas, dispersámos a inteligência e adotámos uma apatia interrompida por acasos históricos que geraram alguns estrangeirados ou exilados cultos permanentemente amargos e desesperados com a pátria (Eça, Sena) e alguns heróis isolados ou desconhecidos (Pessoa, 0'Neill). 

Em "Memorial do Convento", Saramago dá-nos um retrato da estupidez dos reis mas exalta romanticamente o povo. Todos os artistas comunistas o fizeram, num tempo em que o partido comunista tinha uma elite intelectual e de resistência inspirada por um chefe que, aos 80 anos, quase cego, resolveu traduzir Shakespeare. Cunhal traduzindo o "Rei Lear" de um lado, Relvas posando nas fotografias ao lado da bandeira do outro. Relvas nem personagem de Lobo Antunes, o (descritor da tristeza pós-colonial, chega a ser. É um subproduto de telenovela O tempo dos chefes cultos acabou, e se serve de consolação, não acabou apenas em Portugal. 

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Crónica de Clara Ferreira Alves publicada no jornal Expresso, disponível em
https://autoreselivros.wordpress.com/2012/07/25/e-a-falta-de-cultura-estupido-de-clara-ferreira-alves/  


Leitura da crónica de Clara Ferreira Alves, 
"É a falta de cultura, estúpido!"


    
Esta crónica foi publicada no jornal Expresso. 

O facto que levou a autora a escrever esta crónica foi a falta de cultura que existe em Portugal. A autora escolhe este tema pois incomoda-a o facto de hoje em dia ser tudo tão facilitado. Ela refere que as pessoas, nestes dias, não leem tantos livros, pois passam o tempo todo a ver o que as celebridades fazem na sua vida. Esta realidade aumentou o número de pessoas que não têm capacidade de interpretação e que nem sabem escrever palavras elementares. O jornalismo deixou de ser informativo e passou a ser uma competição aos melhores rankings e comentários online. A cronista refere ainda que somos “ignorantes”, pois apesar de termos acesso a tantos livros, poemas, crónicas escritas por “heróis” portugueses, continuamos a preferir ver a vida dos famosos. 

A autora utiliza um tom muito crítico e até agressivo, um exemplo disso é o título da crónica, que levou muitas críticas de leitores e de outros cronistas. 

Flor de maio


CRÓNICA: BAPTISTA-BASTOS, "A CASA DOS BEIJOS"

Iam os dois pela rua, de mãos dadas. Dir-se-ia que não pisavam o chão. Dir-se-ia que deslizavam, que vogavam, que voavam. A felicidade estava-lhes cunhada nos rostos; e também nos gestos, nos sorrisos, no olhar. Iam de mãos dadas pela rua e iam muito felizes. 

Ela tinha os cabelos longos e soltos, o tronco alto. Os seios puxados para a frente, as pernas esbeltas e livres, saias curtas. Ele era um pouco mais alto, um pouco apenas, camisa aberta, calças de ganga, uma pequena mala, daquelas malas dos antigos guarda-freios da Carris, a tiracolo. Isso: a mala estava a tiracolo, e eles iam muito felizes, os dois, de mãos dadas. 

Nem sequer reparavam que muitas pessoas os observavam. Algumas pessoas com a conivência de um sorriso. Outras pessoas com um ressaibo de inveja, no olhar de esguelha. Pararam um pouco em frente à Pastelaria Suiça, no Rossio, ele disse qualquer coisa a ela, ela encolheu os ombros. Não deixavam de sorrir enquanto conversavam. Depois entraram e beberam café. 

A esplanada da Suíça estava cheia de sol e de estrangeiros. Um vendedor de lotaria ofereceu jogo. Um rapaz sujo pediu algum dinheiro. Dois homens encontraram-se e abraçaram-se com efusão. Uma mulher apressada deu um encontrão num cego. Um cigano tentava vender relógios. Um polícia contemplava as coisas com evidente indiferença. 

O rapaz e a rapariga decidiram, depois de tomar café, passear pelo Rossio. Estavam muito felizes. E é bom que se repita isto, porque as pessoas, habitualmente, andam para aí cheias de infelicidade, ao menos que haja alguém feliz, mesmo que seja uma ou duas pessoas. 

Passeavam pelo Rossio e, de vez em quando, davam beijos, sempre sorrindo um para o outro como se estivessem a sorrir para todo o mundo, e todo o mundo experimentava uma grande sensação de espanto e de júbilo. Paravam junto às montras do Rossio, olhavam, claro, mas não fixavam nada do que nas montras se expunha, só sabiam um do outro, só estavam ali juntos para apenas estar um com o outro, juntos e assim mesmo: de mãos dadas e aos beijos. 

Foi numa dessas ocasiões. Beijavam-se tão felizes, tão um do outro, que essa felicidade molestou uma senhora obesa e flácida. A senhora obesa e flácida estacou, indignada, a fuzilá-los com as balas do ódio. E gritou: 

- Não podiam fazer isso em casa? 

A rapariga dos longos cabelos e seios puxados para a frente deixou o beijo a meio. O rapaz experimentou uma estranha sensação de pasmo. Olharam-se. E foi então que a rapariga respondeu, indicando tudo em redor: 

- Esta é a nossa casa! 

Nesse instante trémulo, o mundo feliz, começou a aplaudir.

Baptista-Bastos, Lisboa Contada pelos Dedos


Projeto de leitura


Título: A Casa dos Beijos

O texto apresentado, da autoria de Batista-Bastos, é uma crónica e como tal tem origem num facto do quotidiano observado pelo cronista: um casal de namorados que passeia pela rua.
Tratando-se de uma crónica, o autor introduz a sua visão subjetiva através de um estilo próprio. O cronista recorre maioritariamente à frase curta, embora sejam intercaladas algumas frases longas. Para reforçar a sua mensagem, que consiste em fazer contrastar a felicidade dos jovens com a infelicidade daqueles que os rodeiam, o cronista utiliza a repetição anafórica ("Dir-se-ia… Dir-se-ia…") ou a enumeração ("nos gestos, nos sorrisos, no olhar"). Para além disso, o cronista faz uso da descrição, recorrendo também a momentos de narração, que contribuem para o desenrolar da ação, permitindo-nos visualizar o que o cronista está a observar.

O autor utiliza um vocabulário simples, com o objetivo de moralizar, transmitindo a ideia de que a felicidade deve superar toda a tristeza e inveja.

Inês de Portugal




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