Os livros enviados para Timor são doados à Biblioteca Cristina Torres na Figueira da Foz e distribuídos, pesados e empacotados em volumes de 2 Kg.
Depois de enviados demoram uma "eternidade" a chegar mas vale a pena! As imagens abaixo mostram que vale mesmo a pena! Obrigada pelo vosso entusiasmo pequenos grandes leitores!
Em Timor é assim ...
Livros em viagem
Os livros não devem estar
parados. Por isso, estes viajaram da Figueira da Foz até Lospalos. São os
primeiros 100, porque parece que já vêm mais a caminho.
São muitas horas de leitura para
nós…
Por curiosidade, dos livros que
chegaram, os mais requisitados pelos alunos são os da coleção Os Cinco. Venham mais!
Era uma vez um casal que
gerou uma filha de nome Muha Coro. Quando ela completou os cinco anos
morreu-lhe a mãe. O pai, viúvo depois de dois anos, casou-se de novo com outra
mulher. Essa mulher tratava bem da enteada na presença do marido. Estando sós,
tratava-a muita mal, isto é, quando lhe dava de comer, misturava a comida com
fezes e urina da sua própria filha.
A menina nunca soube
dessa atitude da madrasta. Apenas descobriu mais tarde, pelos seus doze anos,
quando encontrou as fezes em forma de bolinhas debaixo da comida que ela depois
deitou no prato do cão. Isto repetiu-se várias vezes.
O pai, que era pastor e
agricultor, no regresso a casa, perguntava sempre à filha se a madrasta a
tratava bem. Ela respondia que sim. Não dizia a verdade com medo de que a
madrasta na ausência do pai viesse a bater-lhe.
Na altura em que ela já
podia ir sozinha à horta de milho feita pelo pai, enxotar os papagaios que
comiam milho verde, o pai disse à mulher que tirasse milho bom do bidão e disse
à Muha Coro para o cozer e comer na horta. Mas a madrasta, pelo contrário,
deu-lhe milho podre.
Quando chegou à horta a
menina tirou uma parte e a outra parte cozeu-a com folhas de papaia. Depois de
comer um pouco de milho torrado e cozido, deitou os sobejos à volta da barraca.
À noite regressou a casa. Antes de o pai chegar, a madrasta já tinha dado de
comer a Muha Coro: os sobejos da comida do almoço que ela e a filha fizeram.
O pai, quando chegava a
casa, perguntava sempre à filha se já tinha comido. As duas em uníssono diziam
que sim. E isto repetiu-se muitas e muitas vezes.
Um dia, a Muha Coro
estava na horta e, depois de comer o milho torrado e cozido como de costume,
viu uma rola fêmea poisada num ramo de “VENU“ (uma árvore). A rola disse-lhe:
“kuku, kuku, Muha Coro motxo aku nava nava kuku kuku“
“kuku, kuku, Muha Coro motxo iri nava nava kuku kuku“
“kuku, kuku, itxa issam, itxa unan, itxa hepeheperena
kuku kuku“ (tradução: Muha Coro come fezes e urina da
filha da madrasta, come torrado e cozido e come restos).
Em seguida, depois de proferir estas frases, transformou-se numa pessoa,
precisamente na forma da sua mãe. Ela ficou assustada, mas a alma da mãe
disse-lhe que não tivesse medo. E assim foi, a alma da mãe deu a saber à filha
que antes de ela descobrir as bolinhas de fezes já a madrasta misturava com a
colher as fezes e urina sem ela descobrir.
Disse ainda que tinha pena dela e queria levá-la já para o outro mundo. Mas
a Muha Coro respondeu que primeiro queria despedir-se do pai. A mãe concordou,
mas pediu-lhe que nessa noite ela abrisse o “Leu kaisala” (cesto que continha panos de homem e mulher) e
ficasse com o pano de mulher, explicando ao pai que iria mudar de roupa quando
fosse tomar banho. Quanto ao pano de homem, ela que dissesse ao pai que esse
pano ficava para o pai. A recomendação da alma da mãe foi cumprida pela filha.
Nessa noite, a madrasta,
como de costume, chamou pela Muha Coro para comer, mas ela disse que iria
esperar pelo pai e desta vez queria comer num único prato com o pai. A madrasta
insistiu com a Muha Coro para ela comer, mas foi em vão, pois apareceu o pai
que ouviu as suas exigências e, com voz ameaçadora, disse à mulher que se
calasse e deixasse a filha em paz. Seguidamente pai e filha comeram num único
prato.
Depois de comerem, a
filha seguiu executando as recomendações da alma da mãe, dividindo os panos de
mulher e de homen. Pai e a filha despediram-se com bejos e abraços e cada qual
foi-se deitar.
De manhã, a Muha Coro seguiu
para a horta com a sua roupa nova dentro do cesto e o pai foi guardar búfalos.
À hora certa apareceu a rola cantando como de costume e depois transformou-se
em pessoa. A alma da mãe disse à filha para tirar umas massarocas de milho
verde e cozê-las para comer. Mas ela recusou, dizendo que a madrasta depois
iria ficar zangada com isso, quando viesse a saber.
A mãe disse-lhe que não,
e que ela devia fazer o que ela mandara. Muha Coro cumpriu. Depois de ela comer
umas massarocas de milho verde cozidas, as duas subiram o monte, indo a mãe à
frente. Quando chegaram ao cimo, a mãe empurrou-a e ela caiu entre árvoredos e
veio estatelar-se no chão morta.
Nessa noite, Muha Coro não
foi para casa. O pai, de manhã, ao separar-se da filha, no sítio onde guardava
os búfalos, tinha estranhado as atitudes de Muha Coro. Por isso, ficou inquieto
e pensativo durante todo aquele dia.
À noite voltou a casa e,
quando chegou, perguntou logo à mulher pela Muha Coro, mas ela respondeu que
ainda não tinha chegado e que devia estar ainda a caminho. Nada de sinais da
Muha Coro, durante toda a noite. O pai não comeu e ficou sem dormir a pensar na
filha toda a noite.
Ao amanhecer, ele foi
logo à horta para ver se encontrava a filha. O que viu foi só milho podre e folhas
de papaia deitadas à volta da barraca e umas massarocas de milho verde cozidas
ainda dentro da panela de barro. Sinais da filha, nada! Foi perguntar a uns
vizinhos que tinham as suas hortas perto se sabiam do paradeiro da filha e eles
responderam:
“Desde há vários dias,
até ao dia de ontem, que ouvimos a voz duma rola que dizia:
“kuku, kuku, Muha Coro motxo acu nava nava kuku, kuku“
“kuku, kuku, Muha Coro motxo iri nava nava kuku, kuku“
“kuku, kuku, itxa issam, itxa unan, itxa hepeheperena
kuku, kuku“.
Ontem, depois do canto da
rola, uma hora depois, vimos a Muha Coro com uma mulher a subirem o monte, mas
antes de chegaram ao cimo desapareceram”.
Ele foi aconselhado pelos
vizinhos a que, no dia seguinte, aparecesse ali para irem juntos à procura do
cadáver da filha.
Então voltou a casa e contou
o que os vizinhos lhe disseram, no entanto a mulher negou o que os vizinhos ouviram
da rola.
Porém, o homem irritado,
expulsou a mulher e a filha de casa. No dia seguinte, ele compareceu na horta
e, com os vizinhos, foi à procura do cadáver da Muha Coro. Encontraram-no, levaram-no
para casa e enterraram-no.
12 de novembro em Timor-Leste
A literatura em Timor-Leste
Timor-Leste é um país muito jovem
e com características muito peculiares. É constituído por mais de 30 grupos
etnolinguísticos, que não dominam uma língua comum. O tétum é a língua oficial
que deveria servir como elo de ligação entre todos os grupos linguísticos, no
entanto, esta não é falada por todos. O português, outra das línguas oficiais,
é uma língua estrangeira e o seu domínio e área de abrangência são muito
residuais.
O facto de não existir uma língua
comum a todos os timorenses, acrescido pela dificuldade de edição, circulação e
aquisição do livro (um livro pode custar, em média, mais de 20 dólares, quando
o salário mínimo ronda os 100 dólares), leva a que a literatura, enquanto
registo escrito, não faça parte do imaginário nem do quotidiano do povo
timorense.
A “literatura” em Timor-Leste tem
outra dimensão e expressão: é transmitida através do oral e abrange diferentes
géneros – rodas de conversa, lendas, mitos, contos, histórias de vida, etc.
Vicente Paulino, na obra “Tradições Orais de Timor-Leste” afirma que, durante o
seu estudo com alunos timorenses, à resposta “O que é a literatura?” aqueles
respondiam invariavelmente: “A literatura são as histórias que contamos nas
aldeias”.
Tendo em consideração esta
realidade, vamos partilhar alguma da literatura de tradição oral, aquela que melhor
caracteriza e define o espírito e as mundividências do povo timorense.
Assim, os alunos da nossa escola
irão reler e apresentar alguns desses textos. Esperamos que gostem!
Ao mesmo tempo, vamos inserir
outras formas de expressão que mostram a cultura do povo de Timor-Leste,
tentando contextualizar e explicar sempre que necessário.
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